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CLARISSA PINKOLA ESTES MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem

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O conto e os comentários pertencem ao livro: MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem Tradução de WALDÉA BARCELLOS ROCCO Rio de Janeiro 1999 Título Original WOMEN WHO RUN WITH THE WOLVES Copyright 1992 by Clarissa Pínkola Estés, Ph.D Estes, Clarissa Pinkola Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem/de Clarissa Pinkola Estes;tradução de Waldéa Barcellos; consultoria da coleção, Alzira M. Cohen. – Rio de Janeiro: Rocco, 1994. (Arcos do Tempo) Tradução de: Women who run with the wolves Bibliografia. 1. Mulheres – Psicologia. I. Título. II. Série CDD – 155.633 CDU – 159.9-055.2

"A donzela sem mãos" é uma história da vida real a respeito de nós, mulheres de verdade. Ela não trata de uma parte das nossas vidas, mas da nossa existência inteira.

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Na sua essência, ela ensina que para as mulheres o trabalho consiste em vaguear, entrando e saindo da floresta repetidas vezes. Nossas psiques e nossas almas são especificamente adequadas a isso, de tal modo que conseguimos percorrer o subterrâneo psíquico, parando aqui e ali, prestando atenção à velha Mãe Selvagem, sendo alimentadas pelos frutos do espírito e conseguindo nos reunir a tudo e todos a quem amamos. A princípio, o tempo passado com a Mulher Selvagem é difícil. Recuperar o instinto ferido, eliminar a ingenuidade e, com o tempo, aprender os aspectos mais profundos da psique e da alma, guardar o que tivemos aprendido, não voltar as costas, defender aquilo que representamos... tudo isso exige uma resistência mística e infinita. Quando emergimos de volta do outro mundo depois de uma das nossas incursões por lá, por fora pode parecer que não mudamos, mas por dentro reconquistamos um vasto território feminino e selvagem. Na superfície, ainda somos simpáticas, mas debaixo da

Vemos, portanto, o animus na sua própria transformação, preparando-se para ser um parceiro adequado para a donzela e o Self-criança.

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Afinal, eles se reúnem, e ocorre a volta à velha mãe, à mãe sábia, à mãe que tudo suporta, que ajuda com sua inteligência e sabedoria... e todos permanecem unidos e com amor uns pêlos outros. A tentativa demoníaca de assumir o controle da alma fracassou de modo irreversível. A resistência da alma foi testada e aprovada. A mulher passa por esse ciclo uma vez a cada sete anos, sendo a primeira passagem muito suave e, geralmente pelo menos uma das vezes, muito difícil. Daí em diante, o processo apresenta um aspecto de recordação ou de renovação. Aqui, afinal, descansemos para apreciar essa bela visão panorâmica das iniciações e tarefas da mulher. Uma vez que tenhamos passado pelo ciclo, podemos escolher qualquer uma ou todas as tarefas para renovar nossa vida a qualquer momento e por qualquer motivo. Seguem-se algumas delas: • abandonar os velhos pais da psique, descer ao território psíquico desconhecido, ao mesmo tempo em que se depende da boa vontade de quem quer que se encontre no ca

Um dos aspectos mais surpreendentes dessa longa iniciação consiste em que a mulher que passa por esse processo continua a sua vida normal no mundo objetivo: ela ama o amado; dá à luz filhos; corre atrás das crianças; corre atrás da arte; corre atrás das palavras; carrega alimentos, tintas, meadas; luta por uma coisa ou por outra; enterra os mortos; cumpre todas as tarefas de rotina ao mesmo tempo que avança nessa jornada profunda e distante.

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A mulher, nessas condições, encontra-se muitas vezes dividida entre duas opções, pois abate-se sobre ela um impulso de mergulhar na floresta como se ela fosse um rio, de nadar no verde, de subir ao topo de um penhasco e ficar ali sentada com o rosto ao vento. E uma época na qual um relógio interior bate uma hora que faz a mulher sentir uma necessidade repentina de um céu que ela possa chamar de seu, uma árvore que possa abraçar, uma pedra na qual possa encostar o rosto. Mesmo assim, ela também precisa viver sua vida no mundo concreto. É um motivo de honra para que, apesar de ter muitas vezes sentido o desejo de sair correndo em direção ao pôr-do-sol, ela não o tenha feito. Pois é essa vida concreta que exerce o nível certo de pressão para que ela assuma as tarefas do outro mundo. É melhor permanecer neste mundo durante esse período, em vez de abandoná-lo, porque a tensão é melhor, e a tensão cria uma vida preciosa e bem torneada que não pode ser obtida de nenhuma outra forma.

O trecho da história que menciona a colocação de um véu sobre o rosto do rei enquanto ele dorme tem grande probabilidade de ser mais um fragmento dos antigos ritos dos mistérios.

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Na Grécia, há uma bela escultura exatamente dessa imagem: um iniciando coberto com um véu, com a cabeça inclinada como se estivesse descansando, esperando ou dormindo. Agora vemos que o animus não pode estar agindo num nível inferior ao do conhecimento dela. Se não fosse assim, ela mais uma vez iria se sentir dividida entre o que sente e sabe intimamente e a forma pela qual, através do animus, ela deveria se comportar no mundo. Por isso, o animus perambula pela natureza, na sua própria condição masculina, também na floresta. Não é de se estranhar que tanto a donzela quanto o rei sejam levados a percorrer terras psíquicas onde esses processos se realizam. Eles podem ser aprendidos apenas na natureza selvática, somente quando se está grudado à pele da Mulher Selvagem. É freqüente que a mulher iniciada dessa maneira descubra que seu amor subterrâneo pela natureza selvagem vem à tona na sua vida no mundo objetivo. É que, em termos psíquicos, ela traz consigo o perfume de lenha queimando.

Essa reencenação por empatia reorganiza o jeito da mulher de ser no mundo. Reorientar o animus dessa maneira é iniciá-lo na missão pessoal da mulher.

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Pode ser por esse motivo que chegou a haver iniciandos do sexo masculino na iniciação essencialmente feminina em Elêusis. Esses homens assumiam as tarefas e provações do aprendizado feminino a fim de encontrar suas próprias rainhas e filhos psíquicos. O animus entra nos seus próprios sete anos de iniciação. Com isso, aquilo que a mulher aprendeu irá não só se refletir na sua alma interior, mas também ficará inscrito nela, moldando também seus atos concretos.O rei também vagueia na floresta da iniciação, e aqui mais uma vez temos a impressão da falta de outros sete episódios — os sete estágios da iniciação do animus. Também desta vez, dispomos de fragmentos a partir dos quais podemos extrapolar; temos nossos próprios recursos. Uma das pistas está no fato de o rei não comer durante sete anos e ainda assim manter-se nutrido. A atitude de não se alimentar está relacionada à procura de alcançar, por baixo dos nossos impulsos e apetites, algum significado mais profundo que se encontra ocul

O rei deve, portanto, sofrer para se desenvolver. Sob certos aspectos, o rei permanece no outro mundo, mas, como uma figura do animus, ele representa a adaptação da mulher à vida coletiva — ele transporta as idéias principais que ela aprendeu na sua jornada até a superfície, ou a sociedade exterior.

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Só que ele ainda não esteve na mesma situação que ela, e isso ele deve fazer para poder transmitir ao mundo o que ela é e o que ela sabe. Depois que a velha Mãe Selvagem lhe comunica que ele foi enganado pelo demônio, ele mesmo é mergulhado na sua própria transformação através da peregrinação e descoberta, exatamente como aconteceu antes com a donzela. Ele não perdeu as mãos, mas perdeu sua rainha e seu filho. Por isso, o animus imita o caminho da donzela. Essa reencenação por empatia reorganiza o jeito da mulher de ser no mundo. Reorientar o animus dessa maneira é iniciá-lo na missão pessoal da mulher. Pode ser por esse motivo que chegou a haver iniciandos do sexo masculino na iniciação essencialmente feminina em Elêusis. Esses homens assumiam as tarefas e provações do aprendizado feminino a fim de encontrar suas próprias rainhas e filhos psíquicos. O animus entra nos seus próprios sete anos de iniciação. Com isso, aquilo que a mulher aprendeu irá não só se refletir na sua alma

O sétimo estágio — O noivo e a noiva selvagens

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Agora o rei retorna, e ele e a mãe concluem que o demônio sabotou suas mensagens. O rei faz votos de purificação — de ficar sem comer nem beber e de viajar até os confins do mundo para encontrar a donzela e seu filho. São sete anos de procura. Suas mãos ficam negras; sua barba, de um marrom sujo como o musgo; seus olhos, avermelhados e ressecados. Durante todo esse tempo, ele não come, nem bebe, mas uma força maior do que ele mesmo o ajuda a viver. Ele afinal chega à estalagem mantida pelo povo da floresta. Ali, ele é coberto por um véu, adormece e acorda para encontrar um linda mulher e uma bela criança com os olhos fixos nele. "Sou sua mulher, e esse é o nosso filho", diz a jovem rainha. O rei quer acreditar mas vê que a donzela tem mãos. "Com as minhas aflições e ainda assim com meus cuidados, as minhas mãos cresceram de novo", diz ela. E a mulherespírito de branco traz as mãos de prata de uma arca onde estavam guardadas com carinho. É uma festa espiritual. O

É aí que a mulher sente que afinal conseguiu retomar o controle sobre a própria vida e recuperar as palmas que a ajudam a ver e a moldar a vida novamente. Esse tempo todo ela recebeu ajuda de forças intrapsíquicas e amadureceu extremamente. Agora, ela está realmente “dentro do seu Self”.

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Estamos, portanto, quase acabando de percorrer a vastidão dessa longa história. Falta somente um trecho em crescendo e a conclusão adiante. Como essa é uma indução nos mistérios e no domínio da resistência, tratemos de cumprir essa última etapa da viagem pelo outro mundo.

Essa também é uma forte metáfora da idéia de salvamento do Self-criança, do Self da alma, para que ele não volte a se perder no inconsciente, para que não se esqueça de quem somos e de qual é a nossa tarefa. É nesse ponto nas nossas vidas que até mesmo pessoas muito encantadoras, idéias sedutoras, músicas fascinantes podem ser rejeitadas com facilidade, especialmente se não propiciarem a união da mulher com o selvagem.

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Para muitas mulheres, é prodigiosa a passagem da sensação de entusiasmo ou atração por qualquer idéia ou pessoal que bata à sua porta para a de ser uma mulher que refulge com La Destina, que é possuída de um profundo sentido do seu próprio destino. Com o olhar direto, as palmas voltadas para fora, com a audição do self instintivo intacta, a mulher volta à vida com essa atitude nova e vigorosa. Nessa versão, a donzela cumpriu sua tarefa de tal modo que, quando ela precisa da ajuda das mãos para tatear e para proteger seu avanço, elas aparecem. Elas se regeneram através do medo de perda do Self-criança. A regeneração do controle da mulher sobre a própria vida e o próprio trabalho por vezes causa uma lacuna momentânea neste último, pois ela pode não ter total confiança nessas forças recémadquiridas. Ela pode ter de experimentar usá-las por algum tempo para perceber qual é o seu alcance.

E assim, nessa época do aprendizado da donzela na profundeza da floresta, ocorre mais um milagre. Suas mãos começam a voltar a crescer em fases, a princípio as de um bebê

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Podemos considerar que isso signifique que sua compreensão de tudo que ocorreu seja inicialmente imitativa, como a compreensão de um bebê. À medida que as mãos se transformam nas de uma criança, ela desenvolve uma compreensão concreta, mas não absoluta, de tudo. Quando afinal elas se transformam em mãos de mulher, ela conseguiu captar, com prática e profundidade, o não-concreto, o metafórico, o caminho sagrado em que esteve. À medida que praticamos o profundo conhecimento instintivo acerca de todo tipo de aprendizado que obtemos durante toda uma vida, nossas mãos voltam a nós, as mãos da nossa feminilidade. É divertido às vezes observar a nós mesmas quando entramos pela primeira vez num estágio psíquico imitando o comportamento que gostaríamos de aprender. Mais tarde, à medida que prosseguimos, atingimos nossa própria fase espiritual, nosso próprio formato de direito.

Durante a trajetória da mulher por esses ciclos, suas camadas de defesa, proteção e densidade vão se tornando mais diáfanas até que o brilho da sua própria alma começa a transparecer. Podemos sentir e ver o movimento da alma dentro da psique corporal de uma forma surpreendente à medida que envelhecemos cada vez mais.

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Portanto, o sete é o número da iniciação. Na psicologia arquetípica há literalmente dezenas de referências ao símbolo do sete. Uma referência que considero valiosíssima para ajudar as mulheres a diferenciar as tarefas que as esperam, bem como para determinar sua posição atual na floresta do outro mundo faz parte das antigas atribuições dos sete sentidos. Acreditava-se que esses atributos simbólicos pertencessem a todos os seres humanos, e eles aparentemente constituíam uma iniciação na alma através das metáforas e dos sistemas reais do corpo. Segundo os ensinamentos antigos, os sentidos representam aspectos da alma, ou do "santo corpo interno", e devem ser exercitados e desenvolvidos. Embora o trabalho seja longo demais para ser exposto aqui, gostaria de dar apenas uma olhada nessa antiga tradição. São os seguintes os sete sentidos e, portanto, as sete áreas de tarefas a cumprir: animação, sensação, fala, paladar, visão, audição e olfato.

As idades e os estágios da vida da mulher fornecem tanto tarefas a serem realizadas quanto atitudes nas quais enraizá-las.

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Por exemplo, se de acordo com o esquema que se segue vivermos o suficiente para entrar na fase ou no lugar psíquico dos seres da névoa, o lugar em que todo pensamento é novo como o amanhã e antigo como o início dos tempos, nós nos encontraremos entrando em ainda mais uma atitude, mais uma maneira de ver, bem como descobrindo e realizando as tarefas de conscientização a partir dessa posição privilegiada. As imagens seguintes são fragmentos. No entanto, partindo-se de metáforas suficientemente amplas, podemos elaborar, a partir do que sabemos e do que sentimos acerca do conhecimento antigo, novos insights para nós mesmas que tanto são plenos de força espiritual quanto fazem sentido para nós hoje mesmo. Essas imagens são baseadas livremente na experiência e observação empíricas, na psicologia do crescimento e em fenômenos encontrados nos mitos da criação, que são alguns dos melhores esqueletos fundamentais dos registros psicológicos humanos. Essas fases não se destinam a ser vinculad

A vida da mulher é dividida em fases, cada uma com sete anos. Cada período de sete anos representa um certo conjunto de experiências e aprendizagens. Essas fases podem ser compreendidas em termos mais concretos como estágios do desenvolvimento, mas elas podem ainda mais ser vistas como estágios espirituais de desenvolvimento que não correspondem necessariamente à idade cronológica da mulher, embora às vezes isso ocorra.

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Desde o início dos tempos, a vida das mulheres foi dividida em fases, a maioria relacionada à mudança dos poderes do corpo. É útil atribuir uma seqüência à vida física, espiritual, emocional e criativa da mulher para que ela tenha condições de prever "o que virá em seguida" e de se preparar para tal. O que virá a seguir está no campo da Mulher Selvagem instintiva. Ela sempre sabe. No entanto, com o passar dos tempos, à medida que os antigos ritos de iniciação eram abandonados, a instrução das mulheres mais jovens pelas mais velhas acerca desses estágios inerentes à mulher foi também sendo ocultada. A observação empírica da inquietação, do desassossego, dos anseios, das mulheres e do crescimento traz de volta à luz os antigos padrões ou fases da vida profunda da mulher. Embora possamos dar títulos específicos aos estágios, todos eles são ciclos de conclusão, de envelhecimento, de morte e de renascimento. Os sete anos que a donzela passa na floresta irão ensinar-lhe os detalh

O que vemos são duas mulheres que, durante o prazo de sete anos, vêm a se conhecer mutuamente. O espírito de branco é semelhante à telepática Baba Yaga em "Vasalisa", que é uma representação da velha Mãe Selvagem. Como a Yaga diz a Vasalisa, muito embora nunca a tenha visto antes, "Sei, conheço o seu pessoal", esse espírito feminino que toma conta da estalagem no outro mundo já conhece a jovem rainha, pois ela também faz parte da sagrada Mulher Selvagem, que tudo sabe.

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Mais uma vez a história sofre um corte significativo. As tarefas e aprendizados exatos daqueles sete anos não são mencionados, a não ser para serem descritos como repousantes e revitalizantes. Embora pudéssemos supor que os aprendizados da velha religião da natureza subjacentes à história fossem mantidos em segredo por tradição, não podendo, portanto, estar num conto de fadas, é muito mais provável que haja outros sete aspectos ou episódios nessa história, uma para cada ano que a donzela passou na floresta do aprendizado. Não desanime, porém, na psique nada se perde, está lembrada? Podemos recordar tudo que ocorreu naqueles sete anos a partir de pequenos fragmentos obtidos de outras fontes de iniciação das mulheres. A iniciação da mulher é um arquétipo; e, embora um arquétipo tenha muitas variações, seu núcleo permanece constante. Portanto, segue-se o que descobrimos a respeito da iniciação a partir do exame de outros contos de fadas e mitos, tanto da literatura oral quanto da es

O sexto estágio — O reino da Mulher Selvagem

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Embora esse episódio seja o mais curto da história, ele é na verdade o mais longo, tanto no tempo decorrido quanto em termos de realização da tarefa A jovem rainha chega à floresta mais extensa e mais impenetrável que ela já viu. Não é possível nela detectar trilhas. Ela abre caminho passando por cima, através e em volta de tudo. Quase ao anoitecer, o mesmo espírito branco que a ajudou no fosso anteriormente a conduz a uma pobre estalagem de gente simpática da floresta. Uma mulher de branco a convida a entrar e a chama pelo nome. Quando a jovem rainha pergunta como descobriu seu nome, a mulher de branco responde: "Nós da floresta acompanhamos esses casos, minha rainha." A donzela mais uma vez perambulou e como que chegou em casa para passar sete anos — separada do marido, é verdade, mas fora isso passando por uma experiência enriquecedora e de restauração. Seu estado novamente despertou a compaixão de um espírito de branco — que agora é seu espírito guia — e ele a co

O sacrifício da corça era um rito de revivificação para as mulheres, um rito que teria sido conduzido por uma mulher mais velha como a mãe do rei, pois ela seria designada "conhecedora" dos ciclos da morte e da vida.

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Como as mulheres na descida, esse animal sagrado era conhecido como um intrépido sobrevivente do frio e dos invernos mais desesperadores. Considerava-se que a corça era plenamente eficiente em procurar provisões, em dar à luz e viver de acordo com os profundos ciclos da natureza. É provável que os participantes de um ritual desses pertencessem a um clã e que a idéia do sacrifício era a de dar lições às iniciante quanto à morte, bem como a de nelas infundir as qualidade do próprio animal selvagem. Aqui repete-se o sacrifício — um duplo rubedo, um sacrifício de sangue, na realidade. Em primeiro lugar, há o sacrifício da corça, o animal sagrado da antiga linhagem da Mulher Selvagem. Nos ritos antigos, matar uma corça fora da estação significava violar a velha Mãe Selvagem. O abate de animais é um trabalho perigoso, pois diversas entidades gentis úteis adotam o disfarce de animais.Considerava-se que matar um animal fora da estação colocava em risco o delicado equilíbrio da natureza pod

Alguns dizem que o hímen é o véu. Outros, que a ilusão é o véu. Nenhum dos dois grupos está errado, mas há mais a ser dito. Por ironia, embora o véu tenha sido usado para ocultar a beleza do olhar concupiscente dos outros, ele também é apetrecho da femme fatale. Usar um véu de um certo tipo, numa certa hora, com um certo amante e com uma certa aparência é transpirar uma intensa e indefinida eroticidade que provoca uma verdadeira suspensão da respiração. Na psicologia feminina, o véu é um símbolo da capacidade das mulheres de assumir a presença ou a essência que desejem.

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Há uma surpreendente força espiritual na mulher coberta por véus. Ela inspira tanta admiração que todos que a encontram param onde estão, tão perplexos com sua aparição que só podem deixá-la em paz. A donzela no conto é coberta com véus para sair em viagem, tomando-se, portanto, intocável. Ninguém ousaria erguer seu véu sem sua permissão. Depois de todas as atitudes invasoras por parte do demônio, ela está mais uma vez protegida. As mulheres também sofrem essa transformação. Quando se encontram cobertas por véus, as pessoas sensatas sabem que é melhor não invadir seu espaço psíquico. Pois bem, depois de todas as falsas mensagens na psique, e mesmo no exílio, estamos protegidas por algum conhecimento superior, alguma solidão suntuosa e benéfica que tem origem no nosso relacionamento com a velha Mãe Selvagem. Estamos mais uma vez com o pé na estrada, mas em segurança. Por estarmos usando o véu, demonstramos pertencer à Mulher Selvagem. Somos dela e, embora não sejamos inatingíveis, de

Cobrir algo com um véu intensifica sua ação ou seu sentimento. Isso as mulheres de todo o mundo sabem.

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Havia uma expressão usada pela minha avó, "cobrir a tigela". Significava pôr um pano branco sobre uma tigela com massa sovada para fazer o pão crescer. O véu para o pão e o véu para a psique têm o mesmo objetivo. Existe um poderoso fermento na alma das mulheres durante sua descida. Ocorre nelas uma forte fermentação. Ficar por trás de véus aperfeiçoa nosso insight místico. Desse ponto de vista, todos os seres humanos parecem diáfanos; todos os acontecimentos, todos os objetos, têm a cor que teriam ao amanhecer, ou num sonho.

A donzela é como a mulher após o parto. Ela se levanta da cadeira de parto do outro mundo, onde deu à luz novas idéias, uma nova visão da vida. Ela é agora coberta por véus, seu bebê é colocado junto ao seu peito, e ela segue adiante

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Na versão da história da donzela sem mãos dos irmãos Grimm, o recém-nascido é do sexo masculino e se chama Triste. Já nas religiões matriarcais, o filho espiritual nascido da união da mulher com o rei do outro mundo chama-se Alegria. Aqui, mais um traço da antiga religião estende-se pelo chão. Em seguida ao nascimento do novo self da donzela, a mãe do rei manda a jovem rainha partir numa longa iniciação que, como veremos, irá ensinar-lhe os ciclos definitivos da vida feminina.A velha Mãe Selvagem concede à donzela uma dupla bênção: ela amarra o bebê ao seio pejado de leite para que o Self-criança possa se nutrir não importa o que venha a acontecer. Em seguida, seguindo a tradição dos antigos cultos das deusas, ela envolve a donzela em véus, sendo esse o principal traje de uma deusa ao sair em alguma santa peregrinação, quando não quer ser reconhecida ou ter sua atenção desviada do seu objetivo. Na Grécia, numerosas esculturas e baixos-relevos mostram a inicianda no rito elêusico send

O rei da nossa psique tem grande firmeza. Ele não desaba com o primeiro golpe. Ele não definha com ódio e desejo de vingança, como o demônio gostaria.

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Nessa altura, temos uma donzela sem condições de captar o mundo, sem mãos, pois o demônio ordenou que fossem decepadas. Agora ele exige outras amputações. Ele agora quer também que ela não consiga falar nem ver de verdade. Esse é um senhor demônio, e no entanto o que ele exige nos causa uma imensa hesitação. Pois o que ele quer ver acontecer são exatamente os comportamentos que vêm oprimindo as mulheres desde os tempos mais remotos. Ele quer que a donzela obedeça aos seguintes princípios: "Não veja a vida como ela é. Não compreenda os ciclos da vida e da morte. Não persiga seus anseios. Não fale de todas essas coisas selvagens." A velha Mãe Selvagem encarnada pela mãe do rei fica indignada com a ordem do demônio e diz que é demais pedir aquilo. Ela simplesmente se recusa a obedecer. Na tarefa da mulher, a psique diz: "Isso já é demais. Isso eu não posso e não vou tolerar." E a psique começa a agir com mais astúcia, em conseqüência da sua experiência espiritual nes

Em termos junguianos, essa força destrutiva seria chamada de complexo, um sistema organizado de sentimentos e idéias na psique que se mantém inconsciente ao ego e que, portanto, consegue de certo modo impor sua vontade a nós. No ambiente psicanalítico, o antídoto é a consciência dos nossos talentos e das nossas fraquezas, para que o complexo não consiga agir isoladamente.

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Em termos freudianos, dir-se-ia que essa força destrutiva emana do id, um território psíquico sombrio, indefinido mas infinito, onde vivem, espalhados como destroços e tornados cegos pela falta de luz, todas as idéias, impulsos, desejos e atos esquecidos, reprimidos e revulsivos. Nesse ambiente psicanalítico, a solução é alcançada através da lembrança de impulsos e pensamentos inferiores, da sua conscientização, da sua descrição, rotulação e classificação, com o objetivo de diluir seu potencial.Na realidade, quando a mulher tem um complexo demoníaco, ele ocorre exatamente como descrevemos. Ela vai avançando, saindo-se bem, cuidando do seu nariz, e de repente o diabo salta à sua frente. Com isso toda a sua obra perde energia, começa a mancar, a tossir, a tossir cada vez mais e acaba desmaiando. O complexo demoníaco, usando a voz do ego, ataca a sua criatividade, suas idéias e seus sonhos. Na história, ele aparece como uma ridicularização ou uma depreciação interna da experiência da mu

O diabo na história simboliza qualquer coisa que corrompa a compreensão dos profundos processos femininos.

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Sabemos que não é preciso um Torquemada para atormentar a alma das mulheres. Elas também podem ser atormentadas pela boa vontade de métodos novos, porém antinaturais, que, se levados ao exagero, roubem da mulher sua benéfica natureza selvagem e sua capacidade de criar alma. A mulher não precisa viver como se tivesse nascido no ano 1000 a. C. No entanto o antigo conhecimento é universal, um aprendizado eterno e imortal, que terá tanta aplicação daqui a cinco mil anos quanto hoje e quanto há cinco mil anos. É um conhecimento arquetípico, e esse tipo de sabedoria é atemporal. Convém lembrar que o predador também é atemporal. Num sentido totalmente diverso, o trocador de mensagens, por ser uma força inata e contrária existente na psique e no mundo, opõe-se naturalmente ao novo Selfcriança. No entanto, paradoxalmente, como temos de reagir de modo a combater essa força ou a compensá-la, a própria luta nos fortalece imensamente. No nosso próprio trabalho psíquico, recebemos constantemen

É isso o que as mulheres aprendem quando cavam até atingir sua natureza selvagem e instintiva, quando realizam o trabalho da iniciação profunda e do desenvolvimento da consciência. Elas recebem uma enorme capacitação através do desenvolvimento da visão, da audição, do ser e do fazer selvagens.

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As mulheres aprendem a procurar o predador em vez de espantá-lo, ignorá-lo ou de serem gentis com ele. Elas aprendem seus truques, seus disfarces e seu jeito de pensar. Elas aprendem a "ler nas entrelinhas" das mensagens, imposições expectativas ou costumes que foram transformados de verdadeiros em manipuladores. Em seguida,quer o predador esteja emanando do nosso próprio meio psíquico, quer seja do meio cultural, quer de ambos, agora temos perspicácia e somos capazes de enfrentá-lo de frente e fazer o que precisar ser feito.

Como podemos depreender da história, quando o predador invade uma cultura, seja ela a de uma psique, seja a de uma sociedade, os vários aspectos ou indivíduos dessa cultura têm de usar de astúcia, ler nas entrelinhas, manter sua posição, para que não se vejam carregados pelas alegações escandalosas mas atraentes do predador

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Quando há um excesso do predador e uma carência da alma selvagem, as estruturas religiosas, sociais e emocionais da cultura começam a mudar o natural para o artificial, o selvagem para o não-selvagem e a fazer especulações sombrias acerca da natureza instintual. É então que métodos dolorosos e antinaturais substituem o que anteriormente era abordado com sabedoria e reflexão. Em temos culturais, podemos dar muitos exemplos de como o predador molda idéias e sentimentos a fim de roubar a luz da mulher. Um dos exemplos mais surpreendentes da perda da percepção natural consiste nas gerações de mulheres 3 0cujas mães interromperam a tradição de ensinar e preparar suas filhas para acolhêlas naquele que é o aspecto mais básico e físico do ser mulher, a menstruação. Na nossa cultura, mas também em muitas outras, o diabo trocou a mensagem de tal forma que o primeiro sangramento e todos os ciclos subseqüentes fossem cercados de humilhação em vez de assombro. Isso fez com que milhões de jove

"A donzela sem mãos" revela como o predador tem a capacidade de distorcer as percepções humanas e as compreensões vitais de que precisamos para desenvolver dignidade moral, amplitude de visão e uma ação solidária na nossa vida e no mundo.

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No "Barba-azul", o predador não permite que ninguém sobreviva. Já na história da donzela sem mãos, o diabo permite a vida, mas procura impedir que a mulher refaça o vínculo com os profundos conhecimentos da Mulher Selvagem, aquela natureza instintual que possui uma precisão automática de percepção e de ação. Portanto, quando o diabo troca a mensagem no conto, esse fato pode ser em certo sentido considerado como um registro fiel de um acontecimento histórico, um acontecimento que está especialmente relacionado à mulher moderna na sua missão psíquica de descida e de conscientização. É digno de nota que muitos aspectos da cultura (na acepção do sistema de pensamento coletivo e dominante num grupo de pessoas que vivam em proximidade suficiente para se influenciarem mutuamente) ainda atuem como o diabo no que diz respeito ao trabalho interior, à vida pessoal e aos processos psíquicos das mulheres. Eliminando um pouco aqui e apagando mais um pouco acolá, cortando uma raiz aqui e

E, como estamos perto do Letes, continuamos a roncar. É esse o erro que todas nós cometemos — não uma vez, mas muitas vezes. Nós nos esquecemos de nos lembrar do diabo.

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A mensagem é trocada de um tom jubiloso, "A rainha deu à luz uma linda criança" para uma calúnia, "A rainha deu à luz uma criança que é metade cachorro". Numa versão da história, a mensagem trocada é ainda mais explícita: "A rainha deu à luz uma criança que é metade cachorro por ter copulado com as feras da floresta." Essa imagem de um ser metade cachorro não é casual, mas na realidade um belo fragmento das antigas religiões centradas em deusas desde a Europa até a Ásia. Naquela época, as pessoas adoravam uma deusa de três cabeças. As deusas de três cabeças são representadas por Hécate, a Baba Yaga, a Mãe Holie, Berchta e Ártemis, entre outras. Cada uma aparecia como um desses animais ou tinha grande intimidade com eles. Nas religiões mais antigas, essas e outras divindades femininas selvagens e poderosas transmitiam as tradições de iniciação feminina e ensinavam às mulheres todos os estágios da vida feminina, desde a donzela até a mãe e a velha enrugada

Agora a mãe do rei e a jovem rainha ficam juntas. A mãe do rei é adivinhem quem? — a velha La Que Sabé. Ela conhece todos os costumes.

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Essa alquimia feminina de donzela, mãe e velha curandeira é espelhada no relacionamento entre a donzela sem mãos e a mãe do rei. Elas são uma equação psíquica semelhante, embora nesse conto a mãe do rei seja apenas esboçada, como a donzela no início da história, com seu rito do vestido branco e do círculo de giz, a velha mãe também conhece seus ritos antigos, como iremos ver. Uma vez nascido o Self-criança, a velha rainha-mãe envia ao rei uma mensagem sobre o bebê da jovem rainha. O mensageiro parece estar bem de saúde mas, à medida que se aproxima de um córrego, ele sente cada vez mais sono, adormece, e o diabo aparece. Essa é uma pista que nos diz que haverá novamente um desafio à psique durante sua próxima tarefa no outro mundo. Na mitologia grega, existe no outro mundo um rio chamado Letes, e beber das suas águas faz com que a pessoa se esqueça de tudo que disse ou que fez. Em termos psicológicos, isso quer dizer estar adormecido para a própria vida real. O emissário que deve

Portanto, a donzela sem mãos está esperando um bebê, um novo e pequenino self selvagem.

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Ela pode precisar fazer excursões selvagens pelas montanhas, saltando de uma rocha para outra, experimentando ouvir o eco de sua voz nas pedras. Ela pode precisar de horas de noites estreladas, em que as estrelas sejam como pó-de-arroz derramado sobre um piso de mármore negro. Ela pode ter a impressão de que irá morrer se não sair dançando nua numa tempestade de verão, se não ficar sentada em silêncio total, se não voltar para casa manchada de tinta, manchada de cor, manchada de lágrimas, manchada da lua. Um novo self está a caminho. Nossa vida interior, como a conhecíamos até agora, está prestes a mudar. Embora isso não queira dizer que devamos descartar os aspectos razoáveis e especialmente os que fornecem apoio, numa espécie de arrumação enlouquecida da casa, é verdade que nessa descida o mundo objetivo e seus ideais fenecem; e durante algum tempo ficaremos irrequietas e insatisfeitas, pois a satisfação, a realização, reside no processo de nascer na realidade interior. Aquilo pelo

Sonhos como esses são experiências da natureza feminina selvagem. Eles são estados de sentimentos profundos em termos emocionais e muitas vezes físicos que funcionam como uma reserva de alimentos. Podemos recorrer a ela quando é parco nosso sustento espiritual.

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Quando o rei vai embora em alguma aventura, sua contribuição psíquica para a descida é mantida pelo amor e pela memória. A donzela compreende que o princípio régio do outro mundo está comprometido com ela e não a abandonará, como prometeu antes de se casar. Muitas vezes, nessa época, a mulher está "cheia de si mesma". Ela está grávida, ou seja, impregnada de uma idéia nascente acerca do que sua vida pode vir a se tornar se ao menos ela prosseguir com seus esforços. É um período mágico e frustrante, como iremos ver, pois esse é um ciclo de descidas, e há mais uma logo em seguida.É em virtude da explosão de vida nova que a vida da mulher mais uma vez parece tropeçar perto demais da borda e salta direto no abismo. Dessa vez, porém, o amor do masculino interno e o velho Self selvagem irão apoiá-la como nunca antes. A união do rei e da rainha do outro mundo gera um filho. Um filho feito no outro mundo é uma criança mágica que tem todo o potencial associado ao mundo subterrâneo,

O quinto estágio — O tormento da alma

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r. Por que motivo esses maridos mitológicos estão sempre indo embora logo depois da noite de núpcias? A razão é diferente em cada história, mas o fato psíquico essencial é o mesmo: a régia energia da psique recua e se afasta para que possa ocorrer o próximo passo no processo da mulher, e para que seja posta à prova sua postura psíquica recém-adquirida.O próximo passo consiste na formação do relacionamento da mulher com a velha Mãe Selvagem e com o fato de dar à luz. Está em prova o vínculo de amor entre a donzela e o rei e entre a donzela e a velha mãe. Um diz respeito ao amor entre os opostos; o outro está ligado ao amor do profundo Self feminino.

Em histórias menos conhecidas a respeito dela, ela passa por diversos tormentos como o de ficar três dias pendurada da Árvore do Mundo a fim de redimir as almas que não têm sofrimento próprio suficiente para aprofundar seu espírito.

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Esse Cristo feminino repercute na história da donzela sem mãos. O paralelismo é ainda reforçado pelo fato de o Eliseu, onde Perséfone vivia no outro mundo, significar "terra das maçãs" — sendo alisier um termo pré-gálico para sorb, maçã — e o Avalon arturiano também tem o mesmo significado. A donzela sem mãos está diretamente associada à macieira florida.Essa é uma criptologia antiga. Quando aprendemos a decifrá-la, vemos que Perséfone da terra das maçãs, a donzela sem mãos e a macieira florida são a mesma hóspede temporária da região selvagem. Em todos esses casos, percebemos que os contos de fadas e a mitologia nos deixaram um mapa bem claro dos conhecimentos e práticas do passado e de como devemos proceder no presente.

Receber mãos de prata significa ser investido com os talentos das mãos espirituais — a capacidade de curar com o toque das mãos, a capacidade de ver no escuro, a de adquirir conhecimentos poderosos através de sensações físicas. Essas mãos dispõem de toda uma medicina psíquica com a qual podem nutrir, aliviar e apoiar.

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Nesse estágio, a donzela recebe o dom do toque da curandeira ferida. Essas mãos psíquicas irão permitir que ela compreenda melhor os mistérios do outro mundo, mas elas também serão guardadas como presentes quando seu trabalho estiver concluído e ela subir novamente. É típico desse estágio da descida que ocorram atos estranhos, misteriosos e benéficos, independentes da vontade do ego e que resultam do recebimento das mãos espirituais — ou seja, um místico vigor medicinal. Nos tempos antigos, essas (capacidades místicas pertenciam às velhas das aldeias. No entanto, elas não as conquistavam com seu primeiro cabelo grisalho. Eram acumuladas ao longo de anos de esforços, desse esforço de resistência. E é isso também o que estamos fazendo.

O rei manda fazer para a donzela um par de mãos espirituais, que agirão em sua defesa no mundo subterrâneo. É nessa fase que a mulher adquire perícia na sua viagem. Sua submissão à viagem é total.

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Ela como que caminha sobre os próprios pés e mãos. Tomar nas mãos o mundo subterrâneo significa aprender a invocar os poderes daquele mundo, direcioná-los, confortá-los e recorrer a eles, mas também a evitar seus aspectos desagradáveis, como a sonolência, entre outros. Se o símbolo da mão no mundo objetivo contém radar sensorial dos outros, a mão simbólica do outro mundo pode ver no escuro e através do tempo. A idéia de substituir partes mutiladas por membros de prata, ouro ou madeira tem uma história antiqüíssima. Em contos de fadas da Europa e das regiões polares, o trabalho na prata é a arte dos homunculi, dos duendes, dvergar, gnomos, diabretes e elfos, que, traduzidos em termos psicológicos, são aqueles aspectos elementais do espírito que vivem nas profundezas da psique e que a escavam à procura de idéias preciosas.

É freqüente que a mulher nesse estado sinta um enorme entusiasmo, do tipo que a mulher sente quando encontra um companheiro extremamente parecido com aquele com quem sonhava. É uma época estranha, paradoxal, pois estamos na superfície e ao mesmo tempo nas profundezas da terra.

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Estamos perambulando, e no entanto estamos sendo amadas. Não somos ricas, mas recebemos alimento. Em termos junguianos, esse estado é chamado de "tensão dos opostos", na qual alguma coisa de cada pólo da psique se constela de uma vez, criando um novo campo. Na psicologia freudiana, isso se chama "bifurcação", na qual a atitude ou disposição essencial da psique é dividida em duas polaridades: preto e branco, bem e mal. Entre os contadores de histórias, esse estado é chamado de "nascer de novo". É a época em que ocorre um segundo nascimento decorrente de uma fonte mágica, e daí em diante a alma passa a fazer jus a duas linhagens, uma do mundo físico, outra do mundo invisível. O rei diz que irá proteger e amar a donzela. Agora a psique está mais consciente. Haverá um casamento, uma união muito interessante entre o rei vivo da terra dos mortos e a mulher sem mãos da terra dos vivos. Um casamento entre dois parceiros tão díspares certamente poria à prova o a

Segundo a visão do outro mundo, somos uma chama forte debatendo-se contra um vidro escuro para quebrá-lo, libertando-se. E todos os elementos úteis no nosso lar subterrâneo apressam-se a nos ajudar.

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O rei ajuda a donzela a viver com maior capacidade no outro mundo da sua missão. E isso é bom, pois às vezes na descida sente-se menos como um acólito e mais como um pobre monstro que por acaso fugiu do laboratório. Do seu ponto privilegiado, no entanto, as figuras do mundo subterrâneo nos vêem como uma vida abençoada lutando com dificuldades.Nos tempos remotos, a descida da mulher ao outro mundo era realizada para que ela se casasse com o rei (em alguns ritos, aparentemente não havia rei algum, e a acólita provavelmente se casava direto com a Mulher Selvagem do outro mundo).

Essa é a verdadeira natureza da árvore psíquica: ela cresce, ela dá, ela se esgota, ela deixa sementes para a renovação. Ela nos ama. É assim o mistério da vidamorte-vida. Ele é um modelo, dos mais antigos, de antes da água, antes da luz, um modelo resoluto. Uma vez que tenhamos aprendido esses ciclos, seja o da pêra, o da árvore, do pomar, das idades e estágios da vida da mulher, podemos contar com o fato de que irão se repetir, no mesmo ciclo e do mesmo modo.

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O modelo é o seguinte: em toda morte há uma inutilidade que passa a ser útil quando descobrimos como nos recuperar. O conhecimento que chegará a nós revela-se à medida que prosseguimos. Em tudo que é vivo, a perda gera um ganho real. Nossa missão é a de interpretar o ciclo da vida-morte-vida, vivê-lo com a elegância que pudermos ter, uivar como um cão enlouquecido quando não pudermos ter nenhuma — e prosseguir, pois lá adiante está a carinhosa família subterrânea da psique, que nos abraçará e nos ajudará.

Na história, a segunda pêra curva-se para alimentar a donzela e, como esse rei é o filho da velha Mãe Selvagem e como esse pomar pertence a ela, a jovem donzela na verdade prova o fruto dos segredos da vida e da morte.

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Como o fruto é uma imagem primordial dos ciclos de florescimento, crescimento, maturação e fenecimento, o ato de comê-lo internaliza na inicianda um relógio psíquico que conhece os padrões da vida-morte-vida e que avisa para sempre quando chegou a hora de deixar algo morrer e prestar atenção a um novo nascimento. De que modo encontramos essa pêra? Quando mergulhamos nos mistérios do feminino, dos ciclos da terra, dos insetos, dos animais, das aves, das árvores, das flores, das estações, da correnteza dos rios e do seu nível, das pelagens espessas e ralas dos animais de acordo com as estações, dos ciclos de transparência e opacidade nos nossos próprios processos de individuação, nos ciclos de desejo e indiferença na sexualidade, na religiosidade, na ascensão e na queda.

A enigmática resposta da donzela comunica que ela pertence ao mundo dos vivos mas que está acompanhando o ritmo da vida-morte-vida, e que, por esse motivo, ela é um ser humano em queda assim como uma sombra do seu self anterior. Ela pode viver dias no mundo da superfície, mas a transformação ocorre no mundo subterrâneo, e ela consegue estar nos dois, como La Que Sabé. Tudo isso ocorre para que ela aprenda o caminho, para que ela limpe seu caminho, até o verdadeiro self selvagem.

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Como se pode viver no mundo da superfície e no mundo subterrâneo ao mesmo tempo e na vida do dia-adia? O que precisamos fazer para descer até o mundo subterrâneo sozinhas? Quais circunstâncias na vida ajudam as mulheres nessa descida? Podemos optar quanto a partir ou ficar? Que ajuda espontânea você já recebeu da natureza instintiva numa hora dessas?Quando as mulheres (ou os homens) se encontram nesse estado de dupla cidadania, elas às vezes cometem o erro de pensar que afastar-se do mundo, abandonar a vida de rotina, com suas tarefas, seus deveres que não só atraem mas irritam infinitamente, é uma brilhante idéia. No entanto, esse não é o melhor caminho, pois o mundo objetivo nessas ocasiões é a única corda que resta presa ao tornozelo da mulher que está suspensa, perambulando, trabalhando de cabeça para baixo no mundo subterrâneo. Trata-se de uma hora de importância crucial, quando o mundo objetivo precisa desempenhar seu papel adequado, exercendo uma tensão e um equilíbrio "d

Como o símbolo do rio circular, o do fosso, a história nos avisa que essa água não é qualquer água, mas de um tipo determinado. Ela é uma fronteira, semelhante ao círculo que a donzela traçou ao redor de si para manter o diabo afastado. Quando entramos num círculo, ou o atravessamos, estamos entrando num outro estado do ser, num outro estado de consciência, ou de falta dela, ou estamos passando por esse estado.

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Nesse caso, a donzela está passando pelo estado de inconsciência reservado aos mortos. Ela não deve beber dessa água, nem vadear por ela, mas, sim, passar pelo leito seco. Em virtude de ter de passar pela terra dos mortos na sua descida, a mulher às vezes fica confusa e pensa que terá de morrer. Isso, porém, não é verdade. A missão consiste em passar pela terra dos mortos como criatura viva, pois é assim que se gera consciência.Esse fosso é, portanto, um símbolo extremamente significativo, e o fato de o espírito na história esvaziá-lo ajuda a que compreendamos o que precisamos fazer na nossa própria viagem. Não devemos nos deitar e adormecer felizes com o que já realizamos do nosso trabalho. Nem devemos mergulhar no rio numa louca tentativa de acelerar o processo. Existe a morte com m minúsculo e a Morte com M maiúsculo. Aquela que a psique procura nesse processo dos ciclos da vida-morte-vida é la muerte por un instante, não La Muerte Eterna.